quarta-feira, 31 de março de 2010

Coisas assim

Eu tenho essa vontade de trazer você aqui. No terraço do prédio em frente ao meu, não sei por quê. Brincar na chuva. As nossas brincadeiras, você sabe. Eu tenho essa vontade de guardar você na minha gaveta de meias. Hoje eu quero usar a sua presença porque ela me deixa vivo. Hoje também. E hoje. E hoje, e todos os dias, e eu lavo a sua presença na chuva que é pra nunca ficar sem ela enquanto as minhas roupas estiverem na lavanderia. Eu tenho essa vontade de comer você, assim, com geleia de morango no café da manhã e pimenta vermelha no almoço. Tenho essa vontade, queria que você soubesse de tudo o que se passa no meu coração meio sujo, depois ser perdoado e ter uma tarde tranquila ao seu lado, entre borboletas amarelas e um rio cantando e se perdendo em seu eterno ir adiante. Eu tenho essa vontade louca de me esquecer das coisas burras, envelhecidas e sem nenhuma graça deste mundo. O que nos resta? Vamos provocar nosso desejo às três e meia da tarde sobre o asfalto, quebrar as vitrines com os quatro sapatos de quando nos despirmos, amar um ao outro com tanta intensidade que quando adormecerem nossos corpos nus e entrelaçados parecerão um sol caído no canteiro da praça. "É proibido ter um sol na grama", reclamarão os transeuntes. Então chegará esse anjo com o indicador sobre os lábios.

terça-feira, 16 de março de 2010

Carta ligeira, e com a leve impressão de que é tudo um exagero

Parecia um pesadelo ou qualquer coisa assim. Eu andava por aqueles corredores e escadas, prolongando um vazio e um silêncio que não terminavam nunca. A gente ia mudar o mundo. Eu carregava uma mala com rodinhas, e dentro dela nove ou dez dragões que eu passei a vida inteira conquistando pro caso de haver uma guerra. E eu precisava dos seus unicórnios, daquelas bombas enriquecidas em Urano que só você sabe fazer. Mas eram corredores e escadas que só traziam abandono, e não adiantava gritar, chorar, correr ou desejar que não tivesse faltado luz durante a noite e que o despertador tocasse. Eu estava lá. Sozinho. Simples assim, e não havia nada que pudesse mudar isso.

Nem foi a primeira vez que tive que engolir o meu orgulho. E confessar a mim mesmo que, afinal, se eu fosse completamente honesto, eu abriria ainda a minha mala pra mostrar ao mundo não dragões, mas cataventos de papel meio infantis que nem ao menos sairiam voando. Este é o homem verdadeiro, o maltrapilho que se arrasta entre contas já vencidas e a vaga lembrança do calor humano contra o frio da noite. O homem escondido atrás do homem que se sentou em um degrau e achou até melhor que não pudesse chorar, porque era um lugar iluminado e ele estava exageradamente triste.

Enfim, não quero espalhar uma tristeza tão minha, tão misturada a outras que vieram de ontem, nem quero dar a impressão de atribuir a você a mínima responsabilidade por ela. Eu só queria que você soubesse que hoje eu abri mão de alguma coisa que importava pra mim, muito. Mas que afinal eu não teria crescido se já não soubesse que não resolve nada ficar batendo o pé diante da prateleira de iogurtes. Porque nem sempre a gente pode escolher, ponto final, só isso.

domingo, 7 de março de 2010

Um baú para os segredos

Assim se chamava um poema que escrevi há uns dez anos sobre os nomes próprios. A ideia era de que nossos nomes funcionam mais ou menos como um traço fronteiriço, um receptáculo, um limite e uma garantia de nossa individualidade. Voltei a pensar nisso depois de meu último post, que trata de incomunicabilidade e solidão, desdobramentos inevitáveis do fato de sermos indivíduos, ou individuais, e porque ultimamente tem-me parecido pouco desejável essa individualidade que é sinônimo de solidão absoluta. Em sentido inverso, a reflexão sobre o nome ressurgiu como uma possibilidade de conciliar "eu" e "o outro", uma vez que, em última análise, nosso nome serve apenas para que sejamos chamados, ou seja, só tem utilidade na relação "eu-outro". Tudo muito racional, tudo muito teórico, até que encontrei nas atualizações de um amigo no Orkut a frase: "quando alguém te ama, a forma de falar seu nome é diferente"; e aí fui ver que, nas explicações sobre "quem eu sou", esse amigo colocou não só uma explicação sobre o significado de seu nome como algumas considerações bem bacanas sobre as várias formas pelas quais ele é chamado. Publico aqui minha própria versão da brincadeira, como um exemplo, e sugiro a todos os que ainda estiverem em busca de si mesmos e em fuga da solidão absoluta que façam o mesmo como exercício. "Vale uma meia-horinha", como diria meu amigo Bruno.

Roger quer dizer "guerreiro famoso", mais precisamente um "lanceiro". Os Orixás confirmam minha relação com a guerra: sou, como Clara Nunes, filho de Ogum com Iansã. Não é muito óbvio, porque a maior parte das guerras em minha vida acontecem do lado de dentro. Socialmente, prefiro atuar pela "paz e amor".

Meu nome completo é Roger Augusto Marquart Dörl, mas pouca gente sabe disso. Quando estreei no teatro, aos doze anos, encurtei tudo para Roger Dörl (sempre fiz questão do trema) e é assim que hoje sou mais conhecido. No dia-a-dia, claro, sou chamado só pelo nome, Roger, e sempre achei coerente que ele fosse incomum: é assim mesmo que eu me sinto. Não por vaidade... tá, só um pouco. Em família e por alguns amigos sou chamado só de , e a sonoridade disso sempre me transporta interiormente para um lugar confortável. Nunca tive um apelido que pegasse, embora meu pai tenha feito durar bastante o Papa-léguas com que ironizava a minha pouca pressa. Por sorte, meu irmão e os poucos amigos que aderiram usavam mais a abreviação Papa, acho que por preguiça de dizer um nome tão comprido. Outro apelido eventual é o Poeta, que eu gosto bastante porque parece que descreve bem a forma como eu gostaria de ser entendido. Quando eu tinha entre catorze e dezesseis anos, as crianças da minha escola me chamavam de Palhaço por causa de umas peças que eu fazia; e hoje, na mesma escola, tem os engraçadinhos que me chamam de Jesus. Não que eu me importe: eu gosto de palhaços e de me parecer com Jesus, e principalmente eu gosto muito de crianças. Em sala de aula, prefiro ser chamado pelo nome e não de Professor, mas nem todos se sentem à vontade para isso, e então eu não insisto. Na verdade, acho até que em alguns casos o tratamento demonstra um respeito sincero e não condicionado, o que faz toda a diferença. Dá até vontade de agradecer.

Nas ruas, nos bares, nas conversas casuais entre amigos ou desconhecidos, Mano, Velho, Brother e afins serão sempre muito bem vindos.