quarta-feira, 12 de maio de 2010

Greatest hits

5. Please, please, please let me get what I wantThe Smiths. Parece meio anacrônico. Parece um homem com um colete e um monóculo numa estação de trem. “Por favor, por favor”?! Mas tenho que reconhecer: há dias que fazem um homem bom se tornar mau, de tanto as coisas não darem certo. Sabem como?... Descobri que estou envelhecendo. De verdade, meu corpo está envelhecendo, e tenho a impressão de que cheguei até aqui sem ter conquistado quase nada do que eu queria aos dezesseis. Normal, eu sei. Normal até demais.

4. Get me away from here, I’m dyingBelle and Sebastian. É quase alegre. Deve servir pra uma tarde ensolarada de domingo, especialmente no inverno. Em um mundo ideal, ter embarcado em um ônibus e estar a caminho de bem longe deve bastar pra uma definição ligeira de felicidade. No domingo de sol, você estará recolhendo roupas sujas pelo chão da casa, tentando dormir um pouco ou assistindo da janela ao vai-e-vem preguiçoso dos vizinhos. Mas pelo menos esta música tem uma levadinha boa... Com sorte você até consegue se esquecer do resto.

3. All I wantJoni Mitchell. Na verdade, tanto faz esta ou outra música da Joni Mitchell. Combina com café e cigarros. Particularmente – e não me perguntem por quê – tenho vontade de pintar um quadro quando ouço esta música. Rios de cores claras fugindo pro alto. I want to make you feel better, I want to make you feel free… Tão doce. Você já se pegou fazendo de conta que foi você quem fez chover só pra não ter que admitir que odeia o fato de estar chovendo? Acho que é mais ou menos assim, dizer que deixa livre alguém que é tudo o que você mais quer, mas que você não alcança nunca.

2. CreepRadiohead. Vontade de ir embora. Deixar pra trás o paraíso que afinal continua perdido. Mas aqui vou eu pelas ruas vazias da madrugada, recolhendo as lembranças de ter ido mais fundo e não saber muito bem se algum dia eu voltei. Às vezes a gente se distrai por muitas horas tentando encontrar culpados pelo que a gente tem de pior. Ouvindo Creep, ou “verme”, diante de um fantasma refletido na vitrine; do outro lado, uma TV passa desenhos animados. Eu queria ser especial, também. Mas eu não sou.

1. Pale Blue EyesVelvet Underground. Eu ainda citaria, da mesma banda, Perfect Day e Heroin. Não sei muito bem por que fiquei nesta. Linger on... Piscinas, lagos subterrâneos, banheiras, poças na calçada: acho que esta música me dissolve devagar em água doce. The fact that you are married only proves you’re my best friend – é uma ironia tão suave que nem dói. Aquilo que está grudado por trás das palavras, aquilo que não sai, aquilo que é parte da química do corpo e alguma força inimiga quer levar pra longe – de repente se desfaz, já não importa mais, passou. Cinco minutos e meio flutuando em notas soltas da guitarra. Não deixe acabar. Só não deixe acabar. E então acaba.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Um pouco mais lento e seria um retrato

Teu corpo ardia sob o sol da tarde. Abandonado. Teus olhos fechados, teus lábios entreabertos, tua respiração quieta e profunda. Doce, doce entre os lilases, delicado corpo sobre a grama, entregue à liberdade adormecida de ser apenas corpo.

O movimento involuntário do teu pé esquerdo. O rio imóvel, quente e perfumado dos teus cabelos negros, a estrela desenhada com caneta cor-de-rosa no teu braço direito; meu dedo indicador percorre as tuas costas, até a nuca, e um vento leve agita as folhas nas copas das árvores. A tarde nos foi dada; nossa paisagem, nua, descansa. Sem música. Sem nem a sombra das palavras.

Teus olhos se abriram.

Já faz um século.

Eu estava inventando um milagre. E eu pensava, no início, que seria preciso te guardar da ação da gravidade, ou ainda anular o peso do teu corpo, ou projetar sob os teus pés toda a energia acumulada da minha raiva, do meu orgulho ou do meu desejo. Outras vezes, eu pensava que talvez bastasse eu te distrair de tudo, ou simplesmente fazer versos. É claro que nunca funcionou. Mas eu juro, por tudo o que há de mais sagrado neste mundo, que um dia eu vou encontrar um jeito de te fazer voar de verdade.

– Me beija? – perguntou uma voz rouca.

Meu bem, eu nem pensava em outra coisa.