segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Blivet

Decidi que estava na hora de encarar o problema de frente.

Passei um tempo só olhando, desconfiado. Então o revirei, analisei cada parte, identifiquei seu mecanismo. Insatisfeito, estudei teorias, formulei outras, testei diversas metodologias e técnicas de abordagem. Desvendei segredos que sequer se imaginava que existiam. Atingi profundidades nunca antes visitadas. Dominei a coisa toda. Apossei-me dela. Hoje conheço o meu problema melhor do que qualquer ciência. E finalmente concluí, sem a menor sombra de dúvida:

Não sei onde fica a frente.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Soundtrack

Um vento, um fim de tarde, a chuva que se armava sobre os plátanos, mais nada.

Mais tarde navegando em blogs de desconhecidos, expressões desperdiçadas, um tempo diante de um desenho postado por Diana às 15:38 no dia 17 de novembro de 2009 com o texto: "Desde lá, quando comecei a dar face ao sonho, desde lá, quando comecei a dar ouvido às expectativas!"

Ouvindo:
- The Outfield, I don't wanna lose your love tonight
- The Pretenders, I'll stand by you
- Semisonic, Secret smile
- Foreigner, Waiting for a girl like you
- Peter Frampton, Baby, I love your way

Sentado em um banco sob os plátanos, esperando pela chuva, até que uma menina resolveu parar a uns poucos metros de mim pra terminar um namoro pelo celular - você não acredita, mas eu juro que conheço o cara com quem ela falava - ei, dá pra ir odiar alguém lá do outro lado? Eu ia bem sem os seus dramas.

Ontem dei um beijo sob a chuva... Não, não quero falar sobre isso (por que é que chove tanto no verão, por que é que de repente fez tanto calor dentro do carro?!) Hoje eu quis baixar A Dama e o Vagabundo, hoje eu não tive aula, hoje eu me castiguei sob um sol de quarenta graus espalhando terra nova no jardim dos outros mas não me importava, só queria muito uma coca-cola. Estou um pouco entediado. Mas um letreiro imenso de neon na pedra negra do meu peito: Não se pode telefonar para a Penélope a uma hora dessas.

E eu me pergunto: qual é o verdadeiro jazz? Pra que serve o blues, quem afinal ainda se importa com a bossa-nova?

Do blog Uma música por dia: "Fiquei sem entender o fato até este final de semana, quando assisti ao documentário Só dez por cento é mentira e Manoel de Barros explicou-me o acontecido: 'ontem choveu no futuro'".

De repente, todas as canetas bic do mundo pararam de funcionar.

Eu vou embora, eu não amo ninguém, me deixe ir, eu amo muita gente (eu sou um marciano do Bradbury, enlouquecendo em um cais porque é da sua natureza se transformar naquilo que a outra pessoa quer ver mas de repente é muita gente querendo muita coisa, muito Marte, muito mar) me deixe ir, não posso mais, nunca gostei de The Pretenders e você sabe disso, não, garota?!

"Se você não entrar naquele avião, você vai se arrepender", bla bla bla bla, reveja Casablanca.

Eu sou um cínico.

E eu estava em paz, eu estava tão longe...

Tudo tão quieto.

Enquanto a noite e a chuva desabavam sobre os plátanos.

sábado, 22 de janeiro de 2011

O espelho negro

Porque vocês também esperam que nós, filhos da noite, estejamos velando o seu sono. E quando todos os castelos ruírem, e quando todos os caminhos despencarem num abismo vocês pensarão em nós com a cabeça erguida e poderão gritar: "Não sou assim; não sei sofrer, sou forte". E deixarâo à nossa voz o grito de socorro, e escutarão as nossas músicas dissolvendo a sua tristeza em algum andar subterrâneo de suas almas enquanto vocês vestem suas melhores roupas para festas e repetem a si mesmos que a vida já é difícil demais para se desperdiçar qualquer tipo de arte com um sofrimento adolescente; e vocês nunca dirão "obrigado", e nós seguiremos cantando. Porque vocês precisam de fantasmas como nós vasculhando as ruas pela madrugada para que esse medo que vocês têm deles fortaleça o  paraíso caro de suas convenções irrefletidas; porque sem a nossa fúria o seu amor que sempre vence orgulhoso no final jamais teria inimigos, e soaria tão bobo e desinteressante quanto um cupido que atirasse papeizinhos coloridos no lugar de flechas; porque vocês nos pedem sem querer, quando tentam evitar a horrível impressão de estarem andando em círculos há séculos, desesperadamente vocês pedem que poetas, bêbados, loucos e crianças cheguem com notícias lá de fora - mas vocês precisam nos odiar para que nenhum de nós queira ficar em casa muito tempo; e é só assim que o mundo segue adiante, meio às tontas, ao mesmo tempo em que vocês conseguem preservar a memória idólatra dos seus vencedores a uma distância segura, lavando as mãos para o agora, protegidos de todos os riscos em trabalhos infrutíferos cada vez mais burocráticos, acenando à distância para nós, nós: os vagabundos marginais, nós que talvez tenhamos sido os seus mais queridos amigos de infância, mas que não demos certo; nós que nos perdemos, nós que fracassamos, nós que ficamos para trás apenas para lhes dar esta medida exata do alcance das vaidades que vocês "não têm".

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Chegada

Parece que faz tanto tempo;
nada mudou no trajeto:
anseios
de quando éramos livres
retornam agora com as ondas.

Eu te quero
- e isso é bom que se diga -
muito mais do que o necessário.
E este excesso
fica emperrado nos vãos
do que me move.

Parece
que tudo o que era doce se fez sólido
e por isso improvável.
Parece.
Parece que nunca nos alcançaremos.

Mas hoje,
enquanto as ondas e a brisa dançarem
suaves,
meninas da noite, eu,
homem sóbrio
- hoje,
depois de tudo o que passei -
estarei dormindo, afinal,
ainda mais criança
do que no princípio.