sábado, 15 de abril de 2017

Novo endereço:
http://fugasemfuria.blogspot.com

quinta-feira, 7 de abril de 2011

mapatemporario.tumblr.com

Sobre o link...

estarei fora por um tempo.

tirei seis meses pra viajar por aí de carona. mochilão. é isso.

a única certeza é que em algum momento estarei em machu picchu. quando? bom...

não sei.

aí pensei em entrar na internet de vez em quando pra alimentar o blog... é que escrever é meio que uma compulsão minha. e sei que vou ter vontade de mandar notícias, mesmo que seja nesta minha linguagem hiper-figurada de sempre.

mas também tinha esse outro formato que eu estava com vontade de experimentar, o tumblr. o tumblr tem uma dinâmica própria, e me parece mais "arejado", por assim dizer (sim, sim, linguagem figurada). quero esse espaço pra eventuais imagens, músicas, citações, textos curtos e textos de expressão mais direta - enfim, menos figurada. sei lá. e já que estou nessa de ir ver coisas novas, achei que a hora era agora.

e o tumblr também tem a possibilidade de postar coisas retiradas de outros blogs, o que eu gosto. afinal, esse é o espírito, agora. intercâmbio.

claro, textos como os que publico por aqui também podem aparecer por lá uma hora ou outra.

mas estou completamente descompromissado.

* * *

5% das pessoas pra quem eu contei sobre a viagem disseram:
"é perigoso!"

15% disseram um simpático:
"é a tua cara"

30% disseram:
"tenho vontade de fazer uma coisa assim, mas não tenho coragem"

50% disseram alguma coisa parecida com:
"me leva junto!" (pô, vamo!)

minha mãe disse:
"você vai levar um celular!"

e o paraíba disse:
"tudo isso acontecendo no mundo... e o ró vai dar uma volta"

sexta-feira, 25 de março de 2011

Do not disturb

Já vivi meus dez anos a mil.
Já vivi meus mil anos a dez.
Agora eu quero andar só um pouco acima do limite
E aproveitar a paisagem.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Um pouco mais de caos antes de ir

Foi-se o tempo em que eu acreditava que em alguma fonte humana eu beberia água limpa.

E repeti por muito tempo, antes de abrir a porta, aquele envergonhado "não repare a bagunça" - mas bem que eu tentei, Deus sabe que eu tentei lavar os azulejos; agora qualquer coisa serve, qualquer vento serve se você não sabe pra onde vai mas já não quer ficar parado; não repare a bagunça, estou fazendo de propósito: depois que começaram a implicar com minhas frases de efeito anunciei bem alto na saída da faculdade:

- Encontrei um fio solto em um cantinho do Universo e decidi puxar, só pra ver se desfia o resto.

Bom, fiz uma lista de coisas que me entristecem; me lembrei de sonhos em que eu mergulhava na mais absoluta solidão; joguei tudo pro alto e arrisquei ser mais sincero; agora estou bem, mas fiquei um pouco chateado. Abro o caderno em um antigo conto: um cara terminando com a namorada em pleno sábado de carnaval, sentados à portaria de um prédio a algumas quadras da Avenida do Samba; ela um pouco bêbada e com os olhos cheios de lágrimas não percebe de imediato que a risada ecoando pela rua não veio do namorado, mas de um grupo de rapazes que está passando por ali; "o que é isto agora?", ela pergunta irritada; "é um exército romano", explica o namorado; a menina enxuga os olhos, avista os rapazes e percebe o resto de sua lucidez se esvaindo enquanto só lhe resta murmurar espantada: "não é que é mesmo?!"...

- Inteligência é transformar informação em conhecimento - disse o meu pai um dia desses.

- E sabedoria, pai, o que é?

Meu pai baixou os olhos, refletiu por um instante e concluiu:

- Sabedoria é quando, depois de transformar informação em conhecimento, a gente atravessa o rio.

Ah, Deus, não é que é mesmo?!... Não cabe toda a minha roupa na mochila, nem me agrada muito a perspectiva de encontrar um paraíso abarrotado de turistas, máquinas fotográficas e informações enciclopédicas, mas lá vou eu com o começo do outono, porque me assustei quando acordei e vi que estava ficando tarde. Contei meus planos pra um aluno amigo e no dia seguinte ele me disse: "fiquei triste, não consegui dormir direito; por que você vai embora?" - mas o meu coração guardava o mais devastador e delicado silêncio.

"Não era a ponta solta do Universo", eu deveria ter dito. "Era uma tapeçaria perfeita falsificando um limite".

Desculpem, amigos. Mas eu já estava do outro lado.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Um pouco mais que só palavras

O homem que te escreve agora, garota, não procura abrigo nem reclama mais da sede ou do cansaço de uma longa caminhada pelo inferno; as cicatrizes invisíveis, aquelas que eu cantava com revolta ou desespero, já não guardam a dor do instante em que surgiram mais do que alimentam meu orgulho por haver sobrevivido a elas; o homem que te escreve agora, garota, é um voluntário para a prisão do teu amor porque dispõe livremente do próprio caminho, e está aqui fora com a mesma paixão pelas coisas com que estaria em teus braços - não te peço um rumo, o esquecimento ou uma razão para a jornada que afinal já sei obedecer e desejar: estou aqui, garota, porque de todas as coisas que já vi e provei no mundo nada me pareceu mais belo que esse teu olhar, que é como uma lembrança de Deus; estou aqui porque encontrei o que eu estive procurando desde o início, e porque reconheço enfim que valeu a pena cada eternidade de angústia e de desesperança - porque eu não estava errado, porque você existe, e saber disso basta. Não me entenda mal: você não é menos livre do que eu para fechar a porta ou dizer que nada disso te interessa agora, que eu volte mais tarde ou nunca mais diga o teu nome em voz alta - eu não espero que você abra mão da própria liberdade; já é parte do que eu sou cada momento que passamos juntos, a memória ainda quente das tardes de sol em que nos pertencemos quase sem notar, os gestos e palavras de afeto que reacenderam no meu coração envelhecido a luz incontrolável daqueles que acabaram de nascer. Eu te amo, e nada disso faz pedidos: é só a verdade que eu te entrego agora; mas mesmo entregue ela continua sendo minha, e permanece a mesma. O homem que te escreve agora, garota, te escreve porque viu se renovarem suas asas e percebe que é o momento da pergunta: vem comigo? Eu quero. Ou eu te levo na alma.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Represa

Num universo paralelo, mas aqui, às margens do nosso, ficaram palavras não ditas e o brilho dos olhos, ficou um sorriso sincero, ficou a ternura que se gastou na luta. Num universo paralelo, aqui dentro, há todo esse mar contido pela solidez das horas, por um salário mais alto, por uma ideia oca de maturidade. Em outra dimensão, sem conseguir atravessar a fortaleza fria da realidade, arde um desejo caloroso e limpo de criar, de ver crescer e de crescer em segurança, iluminado, vivo; e soterrado, assim, pelos entulhos de uma sobriedade estéril, adormeceu o sonho de permanecer sonhando - mas no vazio dos cofres, nas fendas do asfalto, nos intervalos entre as senhas dos balcões de atendimento escapa às vezes o seu hálito de sonho, o líquido invisível que enverniza a matéria; e sem que o saibamos, e sem que a matemática permita, é esse universo oculto de esperanças ingênuas que nos move, que nos alimenta, e que nos lança cada vez mais perto de uma coisa que buscamos sem sequer nos recordar: alguma coisa como um lar perdido, como uma paz impossível, como o alívio quase imerecido de ser afinal perdoado.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Jornada

1. A cabeça encostada na janela do ônibus, chove lá fora e não sei se estou triste por estar longe de casa ou por achar que nunca a tive. O mundo dá voltas, corre o asfalto sob o meu corpo imóvel e faz um frio insuportável em todos os lugares. Parado diante de um guichê na próxima rodoviária, eu ficaria eternamente sem sequer me perguntar "pra onde, agora?", porque a vida é muito assustadora na modalidade de poder ser tudo. Ser livre é desgastante; mas não adianta, não consigo dormir em viagens.

2. Leio uma história didática chamada Educação ou Culpa, meio boba até, mas com uma capa bonita de couro verde e detalhes em dourado. Um menino vai passar as férias de verão com a família de um padrinho, e logo nos primeiros dias quebra um vaso da sala em uma brincadeira. O padrinho proíbe todo mundo de se aproximar dos cacos; o menino entende que é pra que ele não se esqueça de ter sido irresponsável e saiba se comportar melhor dali pra frente. Os dias seguintes vêm em clima de tortura psicológica: ninguém mais fala sobre o assunto, mas o menino percebe que todos o observam de canto e acha que sua presença ali já não é muito bem vinda. A culpa pelo acidente com o vaso atinge um grau de delírio na noite em que a filha do padrinho cai sobre os cacos e se machuca seriamente. Naquela noite, quando todos dormem, o menino vai em transe até a sala e começa a retalhar o próprio corpo. Sangra até perder os sentidos; acorda na manhã seguinte com o padrinho ao seu lado em um quarto de hospital. E finalmente pede desculpas, chora, explica-se, faz sua catarse. O homem não responde, meio constrangido e fragilizado, o que desperta uma raiva inesperada no menino: "Por quê", ele explode então, "por que você fez questão de deixar os cacos na sala?". O homem passa a mão pela testa, hesita, depois responde como se pedisse desculpas por ter tido uma ideia idiota: "Eu deixei lá pra que você varresse".

3. No quarto de um hotel barato na beira da estrada, tentando colocar ordem no caos. A luz é tão fraca que mal consigo enxergar o meu rosto do outro lado do espelho. E tenho ainda uma longa caminhada. Desenho uma runa com o canivete no tampo da escrivaninha: Nauthiz, situações perigosas.

4. Pensar que um dia estivemos completos, na infância talvez, seria o mesmo que dizer que ao longo da vida só o que fazemos é perder pedaços, ir apagando aos poucos. Não quero, não posso pensar assim; preciso seguir adiante, agora, sem nem perguntar o nome daquilo que se perde. Alguma coisa terá que morrer, eu sei. Mas outra coisa espera pra ser conquistada.

5. Pela janela do quarto, ouço a voz da Alice de Lewis Carroll num terreno baldio: "Não, já decidi: se sou Mabel, vou ficar aqui embaixo! Não vai adiantar nada eles enfiarem as cabeças para baixo e dizerem: 'Venha para cima querida!'. Vou olhar para cima e dizer: 'Quem eu sou então? Primeiro me digam isso, e depois, se eu não gostar, vou ficar aqui embaixo até ser outra pessoa'..."

6. Muito antes de eu ter me tornado um Mago, já tinha ouvido algumas lendas sobre a Flor de Vidro: uma peça mágica tão poderosa que daria àquele que a possuísse tudo de que ele sente falta. Dediquei muitos anos à sua procura, ridicularizado pelos meus irmãos, eu mesmo muitas vezes duvidando seriamente de sua existência; até que a encontrei, nem tão escondida assim, no porão de uma casinha próxima ao farol de Blavand, na Dinamarca. Por sorte, antes que eu a tomasse com um gesto de triunfo, reparei em um bilhete envelhecido do seu lado: a Flor de Vidro é extremamente frágil, e ainda não está pronta. Ela precisa ser banhada em um lago branco que não sei onde fica, e só depois disso é que estará de posse dos seus plenos poderes. E foi assim que a minha bênção se tornou maldição: agora mal consigo dar um passo sem temer que ela se quebre, e que esteja perdida assim a minha única chance de ter tudo o que me falta. Uma ansiedade louca, um pavor quase incontrolável vigia os meus gestos. Antes de me dar os paraísos que eu quero, a Flor de Vidro me oferece o inferno do mais absoluto medo.

7. "Mas se eu vencer esse medo", eu me pergunto, "não estarei conquistando em mim mesmo tudo o que me falta?"

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Para as horas mais tristes

Solte o tempo e mergulhe.
Cada imagem é um universo completo.
Eis aqui os meus: rosa branca,
araçá,
uma tarde na cascata
e o nome de um poema antigo:

Acorda, Estrela.

Solte o tempo e me abrace.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Blivet

Decidi que estava na hora de encarar o problema de frente.

Passei um tempo só olhando, desconfiado. Então o revirei, analisei cada parte, identifiquei seu mecanismo. Insatisfeito, estudei teorias, formulei outras, testei diversas metodologias e técnicas de abordagem. Desvendei segredos que sequer se imaginava que existiam. Atingi profundidades nunca antes visitadas. Dominei a coisa toda. Apossei-me dela. Hoje conheço o meu problema melhor do que qualquer ciência. E finalmente concluí, sem a menor sombra de dúvida:

Não sei onde fica a frente.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Soundtrack

Um vento, um fim de tarde, a chuva que se armava sobre os plátanos, mais nada.

Mais tarde navegando em blogs de desconhecidos, expressões desperdiçadas, um tempo diante de um desenho postado por Diana às 15:38 no dia 17 de novembro de 2009 com o texto: "Desde lá, quando comecei a dar face ao sonho, desde lá, quando comecei a dar ouvido às expectativas!"

Ouvindo:
- The Outfield, I don't wanna lose your love tonight
- The Pretenders, I'll stand by you
- Semisonic, Secret smile
- Foreigner, Waiting for a girl like you
- Peter Frampton, Baby, I love your way

Sentado em um banco sob os plátanos, esperando pela chuva, até que uma menina resolveu parar a uns poucos metros de mim pra terminar um namoro pelo celular - você não acredita, mas eu juro que conheço o cara com quem ela falava - ei, dá pra ir odiar alguém lá do outro lado? Eu ia bem sem os seus dramas.

Ontem dei um beijo sob a chuva... Não, não quero falar sobre isso (por que é que chove tanto no verão, por que é que de repente fez tanto calor dentro do carro?!) Hoje eu quis baixar A Dama e o Vagabundo, hoje eu não tive aula, hoje eu me castiguei sob um sol de quarenta graus espalhando terra nova no jardim dos outros mas não me importava, só queria muito uma coca-cola. Estou um pouco entediado. Mas um letreiro imenso de neon na pedra negra do meu peito: Não se pode telefonar para a Penélope a uma hora dessas.

E eu me pergunto: qual é o verdadeiro jazz? Pra que serve o blues, quem afinal ainda se importa com a bossa-nova?

Do blog Uma música por dia: "Fiquei sem entender o fato até este final de semana, quando assisti ao documentário Só dez por cento é mentira e Manoel de Barros explicou-me o acontecido: 'ontem choveu no futuro'".

De repente, todas as canetas bic do mundo pararam de funcionar.

Eu vou embora, eu não amo ninguém, me deixe ir, eu amo muita gente (eu sou um marciano do Bradbury, enlouquecendo em um cais porque é da sua natureza se transformar naquilo que a outra pessoa quer ver mas de repente é muita gente querendo muita coisa, muito Marte, muito mar) me deixe ir, não posso mais, nunca gostei de The Pretenders e você sabe disso, não, garota?!

"Se você não entrar naquele avião, você vai se arrepender", bla bla bla bla, reveja Casablanca.

Eu sou um cínico.

E eu estava em paz, eu estava tão longe...

Tudo tão quieto.

Enquanto a noite e a chuva desabavam sobre os plátanos.

sábado, 22 de janeiro de 2011

O espelho negro

Porque vocês também esperam que nós, filhos da noite, estejamos velando o seu sono. E quando todos os castelos ruírem, e quando todos os caminhos despencarem num abismo vocês pensarão em nós com a cabeça erguida e poderão gritar: "Não sou assim; não sei sofrer, sou forte". E deixarâo à nossa voz o grito de socorro, e escutarão as nossas músicas dissolvendo a sua tristeza em algum andar subterrâneo de suas almas enquanto vocês vestem suas melhores roupas para festas e repetem a si mesmos que a vida já é difícil demais para se desperdiçar qualquer tipo de arte com um sofrimento adolescente; e vocês nunca dirão "obrigado", e nós seguiremos cantando. Porque vocês precisam de fantasmas como nós vasculhando as ruas pela madrugada para que esse medo que vocês têm deles fortaleça o  paraíso caro de suas convenções irrefletidas; porque sem a nossa fúria o seu amor que sempre vence orgulhoso no final jamais teria inimigos, e soaria tão bobo e desinteressante quanto um cupido que atirasse papeizinhos coloridos no lugar de flechas; porque vocês nos pedem sem querer, quando tentam evitar a horrível impressão de estarem andando em círculos há séculos, desesperadamente vocês pedem que poetas, bêbados, loucos e crianças cheguem com notícias lá de fora - mas vocês precisam nos odiar para que nenhum de nós queira ficar em casa muito tempo; e é só assim que o mundo segue adiante, meio às tontas, ao mesmo tempo em que vocês conseguem preservar a memória idólatra dos seus vencedores a uma distância segura, lavando as mãos para o agora, protegidos de todos os riscos em trabalhos infrutíferos cada vez mais burocráticos, acenando à distância para nós, nós: os vagabundos marginais, nós que talvez tenhamos sido os seus mais queridos amigos de infância, mas que não demos certo; nós que nos perdemos, nós que fracassamos, nós que ficamos para trás apenas para lhes dar esta medida exata do alcance das vaidades que vocês "não têm".

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Chegada

Parece que faz tanto tempo;
nada mudou no trajeto:
anseios
de quando éramos livres
retornam agora com as ondas.

Eu te quero
- e isso é bom que se diga -
muito mais do que o necessário.
E este excesso
fica emperrado nos vãos
do que me move.

Parece
que tudo o que era doce se fez sólido
e por isso improvável.
Parece.
Parece que nunca nos alcançaremos.

Mas hoje,
enquanto as ondas e a brisa dançarem
suaves,
meninas da noite, eu,
homem sóbrio
- hoje,
depois de tudo o que passei -
estarei dormindo, afinal,
ainda mais criança
do que no princípio.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Diversos

Tenho sonhado com pessoas com quem eu me importo muito, e tenho a impressão de que nenhuma delas sabe que me refiro a elas quando digo "pessoas com quem eu me importo muito".

Uma vontade: gritar os nomes, um por um, de todas as pessoas que eu amo, e dizer a cada uma delas exatamente como e por que me importo com elas e exatamente como e por que as amo.

A vida passa depressa, nossa coleção de momentos na memória vai aumentando e a gente já não dá conta de continuar agradecendo a todos que, algum dia, de alguma forma (talvez pelo simples fato de terem cruzado nosso caminho) mudaram para sempre ou até mesmo salvaram a nossa vida.

Mas espere: vou deixar este texto ainda mais parecido com aquelas coisas que nos fazem chorar em apresentações de Power Point com fotografias de filhotes.

A verdade é que, um belo dia, alguma coisa ou pessoa com que você se importa simplesmente não vai estar lá quando você procurar. E é assim e pronto, e ninguém tem culpa de coisa nenhuma, só acontece. Aí você se pergunta: Por que eu não aproveitei isso?, ou Por que eu não falei o que eu sentia?, ou qualquer coisa assim que serve pra gente se torturar nas horas vagas. E como o tempo não volta, sei lá, você começa a achar que nunca mais vai gostar de alguém ou alguma coisa por uma porção de bobagens do tipo: a) "eu não mereço porque não aproveitei da outra vez" ou b) "já que eu não aproveitei, agora pelo menos eu vou honrar a memória do que eu amava me recusando a colocar qualquer outra coisa ou pessoa em seu lugar", etc.

Enfim, nem era nada disso que eu queria dizer quando entrei no blogger hoje. Eu queria falar de umas decisões que eu tomei.

Duas promessas, não: duas certezas de ano novo: em 2011 eu vou saltar de para-quedas e conhecer a neve. Claro, isso de conhecer a neve é pura inveja de quem ainda pode dizer "Um dia eu vou conhecer o mar", e eu sei que nem é tão legal assim falar em "conhecer a neve", além de ser bem mais frio, mas eu quero e pronto e nada disso está aberto para discussão.

Mas já que entrei no assunto, aqui vai mais uma: eu vou dizer, a cada uma das pessoas que eu amo, de alguma forma (a mais direta possível), sempre que tiver a oportunidade, eu vou dizer às pessoas que eu amo que eu as amo e juro por Deus que não vou me sentir nenhum idiota fazendo isso.

Ah, e se eu mudar de ideia, vai ser só pra exercitar.

Porque no fim das contas o amor não muda nunca: só se distrai disso ser um tédio.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Espectro

No começo era brincadeira. Perguntar em que ano estamos, em qual dimensão, a que espécie pertencemos. Ríamos, e eu guardava um orgulho infantil por me sentir diferente. Do mundo. De tudo nele que eu desprezo. Em algum momento as dúvidas deixaram de ser brincadeira. Meu espírito se desprendeu, começou a vagar e a se dissolver no infinito. Eu tenho olhos de que cor? Nos mesmos bares de sempre, nas mesas do escritório ou escovando os dentes: de repente havia uma diferença substancial entre a realidade e eu. Não era triste. Nem era bom. Era estar de volta a uma Terra ancestral, num tempo em que a atmosfera não permitia ainda a diferenciação de cor e tudo era uma grande pasta cinza. Houve esse tempo, sim. Como haverá o tempo em que o sol terá engolido o nosso mundo, um sol envelhecido e já cansado, um mundo sem mais vestígios da nossa civilização. Estas mãos, quantos dedos elas têm? Eu era feliz acreditando em coisas bobas como a felicidade. Hoje - mas hoje quando? - eu ando pelas ruas entre ruídos de corpos e de máquinas vivendo alguma coisa que eu não sei o que é, vagamente durando, musicado por paixões e pensamentos que a cada instante são outros, inutilmente sob um mesmo nome. O amor, o que ele é, que relação terá com este músculo em meu peito feito de metáfora batida? Projetos. Memórias. Tudo se desfez num sopro. E tudo existe ao mesmo tempo, agora.

domingo, 7 de novembro de 2010

Entender estrelas

Eu queria dizer "nunca mais eu quero ver você", ou qualquer coisa assim melodramática, mas ela estava ali me olhando com aquele sorriso de dar raiva, o cabelo solto, o pijama azul meio masculino e o cheiro leve de um sabonete de amêndoas. Era quase meia-noite e parecia até que ela estava feliz com a minha visita, então eu pedi licença para acender um incenso de... hmm... laranjeira?... e fui me sentar na poltrona que ficava entre o aquário e o abajur de tela verde - as únicas fontes de luz em toda a sala. Você se lembra da primeira vez que eu fui ao Sarau dos Sete Ventos, será que algum dia eu vou ser perdoado por ter escolhido o soneto mais óbvio do Olavo Bilac? "Eu nunca teria voltado se não fosse por você", eu quis acrescentar, ou qualquer coisa assim que valesse finalmente como confissão, mas deixei que ela risse e tentasse me acalmar dizendo que teria sido muito pior se eu declamasse o Soneto de Fidelidade. A culpa era daquele nome ingênuo - "Sarau dos Sete Ventos" - que me fez pensar que o melhor que eu ouviria ali seria o-poema-que-escrevi-ontem-à-noite-sobre-a-minha-solidão-neste-mundo-insensível. Eu a desejei assim que ela subiu ao palco para um poema de Safo - todos ali já sabiam que ela gostava de garotas, mas eu não, e ela era uma garota, e afinal eu também gostava de garotas. Ficamos amigos, frequentamos juntos todos os cinemas e museus e teatros e clubes de strip-tease da cidade. Você se lembra daquela exposição de arte contemporânea, daquela sala branca em que eles projetavam sobre cada pessoa a imagem de um quadro famoso; você se lembra de como você riu quando percebeu que você era O Nascimento de Vênus e eu era Saturno Devorando um Filho?


Ouvia-se apenas o murmúrio da água e o zumbido do motor do aquário. Ela era perfeita à meia-luz, ela era perfeita em qualquer circunstância. Eu me sentia um moleque de onze anos que esperava um beijo no cinema e não sabia como contornar o fato dela manter a mão longe do braço da poltrona. "Eu nunca vou poder dizer", eu pensava, "seria inútil"... O que eu estava fazendo ali àquela hora?!

- Aceita um café? - ela perguntou de repente.

Se ela soubesse o ódio que eu sinto...

- Forte. E não coloque açúcar.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

As meninas invisíveis

Um dia uma das minhas alunas de teatro comentou: "Minha mãe acha que a gente perde muito tempo nas aulas. Ela acha que a gente deveria ensaiar mais".

É verdade, a gente deveria ensaiar mais.

Um dia ficamos uma hora e meia conversando sobre os sonhos e as coisas sem explicação que acontecem nesta vida.

Um dia eu estava sentado em uma padaria com umas quatro ou cinco meninas da turma quando percebi que elas conversavam aberta e naturalmente sobre os mais variados assuntos sem se importar com a minha presença. Eu também era alguém da turma. Ali, minha opinião era só mais uma.

E sim, isso é importante.

Na conversa sobre os sonhos, uma delas perguntou: "Por que não temos conversas como esta nas aulas de Filosofia"?

É mesmo: por que não? Aliás, por que não há conversas como essas na Bolsa em vez daquela gritaria?

Passei uns três anos registrando o que eu achava que só eu via naquelas oito meninas que hoje são o Grupo de Teatro Bastidores. Opiniões singelas sobre deixar de ser criança, sobre se sentir sozinho, sobre por que gostar ou desgostar de uns meninos que tocam numa banda com calças coloridas e fazem música só para elas. Sim, às vezes eu era um antropólogo tentando não julgar um povo que eu desconhecia por completo. Mas na maior parte do tempo eu era simplesmente humano, igual a elas, e compartilhava as mesmas dúvidas e inquietações, os mesmos sonhos, a mesma alegria.

Parte de tudo isso é um espetáculo chamado Meninas Invisíveis, que estreia no dia 21 de outubro, às 10 horas, no Teatro Alfredo Sigwalt em Joaçaba. Venham nos ver. A gente ensaiou o bastante.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Greatest hits

5. Please, please, please let me get what I wantThe Smiths. Parece meio anacrônico. Parece um homem com um colete e um monóculo numa estação de trem. “Por favor, por favor”?! Mas tenho que reconhecer: há dias que fazem um homem bom se tornar mau, de tanto as coisas não darem certo. Sabem como?... Descobri que estou envelhecendo. De verdade, meu corpo está envelhecendo, e tenho a impressão de que cheguei até aqui sem ter conquistado quase nada do que eu queria aos dezesseis. Normal, eu sei. Normal até demais.

4. Get me away from here, I’m dyingBelle and Sebastian. É quase alegre. Deve servir pra uma tarde ensolarada de domingo, especialmente no inverno. Em um mundo ideal, ter embarcado em um ônibus e estar a caminho de bem longe deve bastar pra uma definição ligeira de felicidade. No domingo de sol, você estará recolhendo roupas sujas pelo chão da casa, tentando dormir um pouco ou assistindo da janela ao vai-e-vem preguiçoso dos vizinhos. Mas pelo menos esta música tem uma levadinha boa... Com sorte você até consegue se esquecer do resto.

3. All I wantJoni Mitchell. Na verdade, tanto faz esta ou outra música da Joni Mitchell. Combina com café e cigarros. Particularmente – e não me perguntem por quê – tenho vontade de pintar um quadro quando ouço esta música. Rios de cores claras fugindo pro alto. I want to make you feel better, I want to make you feel free… Tão doce. Você já se pegou fazendo de conta que foi você quem fez chover só pra não ter que admitir que odeia o fato de estar chovendo? Acho que é mais ou menos assim, dizer que deixa livre alguém que é tudo o que você mais quer, mas que você não alcança nunca.

2. CreepRadiohead. Vontade de ir embora. Deixar pra trás o paraíso que afinal continua perdido. Mas aqui vou eu pelas ruas vazias da madrugada, recolhendo as lembranças de ter ido mais fundo e não saber muito bem se algum dia eu voltei. Às vezes a gente se distrai por muitas horas tentando encontrar culpados pelo que a gente tem de pior. Ouvindo Creep, ou “verme”, diante de um fantasma refletido na vitrine; do outro lado, uma TV passa desenhos animados. Eu queria ser especial, também. Mas eu não sou.

1. Pale Blue EyesVelvet Underground. Eu ainda citaria, da mesma banda, Perfect Day e Heroin. Não sei muito bem por que fiquei nesta. Linger on... Piscinas, lagos subterrâneos, banheiras, poças na calçada: acho que esta música me dissolve devagar em água doce. The fact that you are married only proves you’re my best friend – é uma ironia tão suave que nem dói. Aquilo que está grudado por trás das palavras, aquilo que não sai, aquilo que é parte da química do corpo e alguma força inimiga quer levar pra longe – de repente se desfaz, já não importa mais, passou. Cinco minutos e meio flutuando em notas soltas da guitarra. Não deixe acabar. Só não deixe acabar. E então acaba.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Um pouco mais lento e seria um retrato

Teu corpo ardia sob o sol da tarde. Abandonado. Teus olhos fechados, teus lábios entreabertos, tua respiração quieta e profunda. Doce, doce entre os lilases, delicado corpo sobre a grama, entregue à liberdade adormecida de ser apenas corpo.

O movimento involuntário do teu pé esquerdo. O rio imóvel, quente e perfumado dos teus cabelos negros, a estrela desenhada com caneta cor-de-rosa no teu braço direito; meu dedo indicador percorre as tuas costas, até a nuca, e um vento leve agita as folhas nas copas das árvores. A tarde nos foi dada; nossa paisagem, nua, descansa. Sem música. Sem nem a sombra das palavras.

Teus olhos se abriram.

Já faz um século.

Eu estava inventando um milagre. E eu pensava, no início, que seria preciso te guardar da ação da gravidade, ou ainda anular o peso do teu corpo, ou projetar sob os teus pés toda a energia acumulada da minha raiva, do meu orgulho ou do meu desejo. Outras vezes, eu pensava que talvez bastasse eu te distrair de tudo, ou simplesmente fazer versos. É claro que nunca funcionou. Mas eu juro, por tudo o que há de mais sagrado neste mundo, que um dia eu vou encontrar um jeito de te fazer voar de verdade.

– Me beija? – perguntou uma voz rouca.

Meu bem, eu nem pensava em outra coisa.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Pequeno inventário

Ver a noite passar e ter a sensação de que não há ninguém no mundo. Ver o dia passar e ter feito o melhor que pude, mesmo que pareça pouco. Ter amigos tão completamente diferentes entre si que às vezes me perco, e penso que sou muitos de tanto me parecer a cada um deles. Ter amado loucamente, e ter perdido, e ter amado loucamente, e ter perdido – uma vez mais, e outra. Aprender a cada dia. Ensinar sem perceber. Ser teimoso, ser volúvel, ser ingênuo e mau, sonhar na luta, destruir distraído. Ouvir em silêncio. Confessar a todos. A bagunça em casa, a ordem alfabética dos livros, a gata branca que se chama Pluma por causa de uma música do Secos & Molhados. No vazio da sala, as paredes têm um anjo, trinta e três flores arrastadas pelo vento e um refrão do Oasis cuja tradução é "me apoie, ninguém sabe como vai ser". Algumas rugas. Boa memória, boa até demais. Quinze cadernos. Um violão quebrado. E a alma que não cabe em nada disso.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Como se tornar um escritor compulsivo

A ansiedade é um mar de cores muito vivas no qual eu tenho andado submerso, sempre demasiado opaco e sem conseguir me transformar em tudo quanto eu gostaria. Cada pequeno gesto me parece a última chance de alcançar qualquer felicidade; cada fracasso é um furacão que me devasta; cada hora vazia lança três bilhões de vezes o mesmo grito desde um corpo imóvel: que alguma coisa aconteça, que alguma coisa aconteça, que alguma coisa aconteça. Talvez fosse impossível não estar acontecendo alguma coisa o tempo todo. Talvez fosse impossível que tudo acontecesse ao mesmo tempo. Mas eu estou sufocando diante da janela aberta sobre uma paisagem gasta.

Eu vou pra Bahia, não, eu vou pra onde tem neve, não, eu vou pra um templo no Tibete ou dar a volta ao mundo em uma Harley Davidson.

Você tem um amigo a quem você pode contar absolutamente tudo? Há quanto tempo ninguém vê você chorando? Às seis horas da tarde, eu entro em casa e me apavoro com o grande nada que me separa da hora de dormir. É muita coisa guardada, é um caos de pensamentos e vontades sem espelho, sem nenhuma vazão, sem deixar nenhum vestígio no universo dos fatos. Você tem alguém contando histórias que você não quer ouvir? Você tem canais suficientes na sua TV a cabo?

A ansiedade é sempre um último cigarro. A ansiedade é engolir sem mastigar um prato congelado. A ansiedade é o telefone que não toca pra um convite que você recusaria à espera de outros. A ansiedade é uma merda. E saber disso não resolve nada.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Flui

Alguém em mim quer gritar uma dor muito antiga. Ele vem, coloca a mão pesada no meu peito e diz: (...) Eu já não ouço. A dor ainda dói, mas eu passeio pelas ruas e a cidade me parece muito cheia de um qualquer-coisa alegre, pequenas gotas de luz dançando no ar vazio, algo esquecido no fundo dos olhos de quem às vezes eu ainda me lembro de olhar. Eu nunca acreditei na solidão, pra dizer bem a verdade. Eu só jogava o seu jogo por achar que me faltava companhia. Agora, observando em silêncio o vai-e-vem dos corpos animados por estranhas forças, esse mar de gentes à procura de um descanso que não chega nunca, crianças oprimidas ainda pelo grande mistério do mundo eu penso: (...) Eu já não penso. Meu coração também pulsa. Tudo o que eu sou me basta.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Coisas assim

Eu tenho essa vontade de trazer você aqui. No terraço do prédio em frente ao meu, não sei por quê. Brincar na chuva. As nossas brincadeiras, você sabe. Eu tenho essa vontade de guardar você na minha gaveta de meias. Hoje eu quero usar a sua presença porque ela me deixa vivo. Hoje também. E hoje. E hoje, e todos os dias, e eu lavo a sua presença na chuva que é pra nunca ficar sem ela enquanto as minhas roupas estiverem na lavanderia. Eu tenho essa vontade de comer você, assim, com geleia de morango no café da manhã e pimenta vermelha no almoço. Tenho essa vontade, queria que você soubesse de tudo o que se passa no meu coração meio sujo, depois ser perdoado e ter uma tarde tranquila ao seu lado, entre borboletas amarelas e um rio cantando e se perdendo em seu eterno ir adiante. Eu tenho essa vontade louca de me esquecer das coisas burras, envelhecidas e sem nenhuma graça deste mundo. O que nos resta? Vamos provocar nosso desejo às três e meia da tarde sobre o asfalto, quebrar as vitrines com os quatro sapatos de quando nos despirmos, amar um ao outro com tanta intensidade que quando adormecerem nossos corpos nus e entrelaçados parecerão um sol caído no canteiro da praça. "É proibido ter um sol na grama", reclamarão os transeuntes. Então chegará esse anjo com o indicador sobre os lábios.

terça-feira, 16 de março de 2010

Carta ligeira, e com a leve impressão de que é tudo um exagero

Parecia um pesadelo ou qualquer coisa assim. Eu andava por aqueles corredores e escadas, prolongando um vazio e um silêncio que não terminavam nunca. A gente ia mudar o mundo. Eu carregava uma mala com rodinhas, e dentro dela nove ou dez dragões que eu passei a vida inteira conquistando pro caso de haver uma guerra. E eu precisava dos seus unicórnios, daquelas bombas enriquecidas em Urano que só você sabe fazer. Mas eram corredores e escadas que só traziam abandono, e não adiantava gritar, chorar, correr ou desejar que não tivesse faltado luz durante a noite e que o despertador tocasse. Eu estava lá. Sozinho. Simples assim, e não havia nada que pudesse mudar isso.

Nem foi a primeira vez que tive que engolir o meu orgulho. E confessar a mim mesmo que, afinal, se eu fosse completamente honesto, eu abriria ainda a minha mala pra mostrar ao mundo não dragões, mas cataventos de papel meio infantis que nem ao menos sairiam voando. Este é o homem verdadeiro, o maltrapilho que se arrasta entre contas já vencidas e a vaga lembrança do calor humano contra o frio da noite. O homem escondido atrás do homem que se sentou em um degrau e achou até melhor que não pudesse chorar, porque era um lugar iluminado e ele estava exageradamente triste.

Enfim, não quero espalhar uma tristeza tão minha, tão misturada a outras que vieram de ontem, nem quero dar a impressão de atribuir a você a mínima responsabilidade por ela. Eu só queria que você soubesse que hoje eu abri mão de alguma coisa que importava pra mim, muito. Mas que afinal eu não teria crescido se já não soubesse que não resolve nada ficar batendo o pé diante da prateleira de iogurtes. Porque nem sempre a gente pode escolher, ponto final, só isso.

domingo, 7 de março de 2010

Um baú para os segredos

Assim se chamava um poema que escrevi há uns dez anos sobre os nomes próprios. A ideia era de que nossos nomes funcionam mais ou menos como um traço fronteiriço, um receptáculo, um limite e uma garantia de nossa individualidade. Voltei a pensar nisso depois de meu último post, que trata de incomunicabilidade e solidão, desdobramentos inevitáveis do fato de sermos indivíduos, ou individuais, e porque ultimamente tem-me parecido pouco desejável essa individualidade que é sinônimo de solidão absoluta. Em sentido inverso, a reflexão sobre o nome ressurgiu como uma possibilidade de conciliar "eu" e "o outro", uma vez que, em última análise, nosso nome serve apenas para que sejamos chamados, ou seja, só tem utilidade na relação "eu-outro". Tudo muito racional, tudo muito teórico, até que encontrei nas atualizações de um amigo no Orkut a frase: "quando alguém te ama, a forma de falar seu nome é diferente"; e aí fui ver que, nas explicações sobre "quem eu sou", esse amigo colocou não só uma explicação sobre o significado de seu nome como algumas considerações bem bacanas sobre as várias formas pelas quais ele é chamado. Publico aqui minha própria versão da brincadeira, como um exemplo, e sugiro a todos os que ainda estiverem em busca de si mesmos e em fuga da solidão absoluta que façam o mesmo como exercício. "Vale uma meia-horinha", como diria meu amigo Bruno.

Roger quer dizer "guerreiro famoso", mais precisamente um "lanceiro". Os Orixás confirmam minha relação com a guerra: sou, como Clara Nunes, filho de Ogum com Iansã. Não é muito óbvio, porque a maior parte das guerras em minha vida acontecem do lado de dentro. Socialmente, prefiro atuar pela "paz e amor".

Meu nome completo é Roger Augusto Marquart Dörl, mas pouca gente sabe disso. Quando estreei no teatro, aos doze anos, encurtei tudo para Roger Dörl (sempre fiz questão do trema) e é assim que hoje sou mais conhecido. No dia-a-dia, claro, sou chamado só pelo nome, Roger, e sempre achei coerente que ele fosse incomum: é assim mesmo que eu me sinto. Não por vaidade... tá, só um pouco. Em família e por alguns amigos sou chamado só de , e a sonoridade disso sempre me transporta interiormente para um lugar confortável. Nunca tive um apelido que pegasse, embora meu pai tenha feito durar bastante o Papa-léguas com que ironizava a minha pouca pressa. Por sorte, meu irmão e os poucos amigos que aderiram usavam mais a abreviação Papa, acho que por preguiça de dizer um nome tão comprido. Outro apelido eventual é o Poeta, que eu gosto bastante porque parece que descreve bem a forma como eu gostaria de ser entendido. Quando eu tinha entre catorze e dezesseis anos, as crianças da minha escola me chamavam de Palhaço por causa de umas peças que eu fazia; e hoje, na mesma escola, tem os engraçadinhos que me chamam de Jesus. Não que eu me importe: eu gosto de palhaços e de me parecer com Jesus, e principalmente eu gosto muito de crianças. Em sala de aula, prefiro ser chamado pelo nome e não de Professor, mas nem todos se sentem à vontade para isso, e então eu não insisto. Na verdade, acho até que em alguns casos o tratamento demonstra um respeito sincero e não condicionado, o que faz toda a diferença. Dá até vontade de agradecer.

Nas ruas, nos bares, nas conversas casuais entre amigos ou desconhecidos, Mano, Velho, Brother e afins serão sempre muito bem vindos.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O relator

"E mesmo que alguém enxergasse por trás das palavras", ele pensava, "quem algum dia saberia o que é estar aqui dentro?"

Carregando uma história única sob a chuva, às dez e meia da manhã, voltando para casa pela rua que margeia o rio. Pequeno desconforto da roupa molhada, de estar usando sandálias – mas era um dia claro e abafado de verão, e afinal a chuva não estava assim tão forte.

"Por um segundo, só,

eu gostaria de ser outra pessoa e poder me olhar de fora. Livrar-me, soltar-me dessa erupção constante de novos estados de alma; ver-me fixado em uma cara de sono ou de alegria e conseguir entender a mim mesmo como alguém que simplesmente está com sono ou alegre – só isso, fácil assim, mais nada".

Uma fina camada de água escorria pela calçada enquanto ele subia o morro. Ipês floridos, pessoas cinzas sob guarda-chuvas, uma oficina de televisores em que ele nunca havia reparado. Lá embaixo, o rio seguia o seu curso, indiferente, preguiçoso,

"pardo", ele acrescentou.

"Eu vou escrever até os meus dedos sangrarem. Eu vou me dar uma overdose dessa exposição compulsiva".

Suas costas, suas pernas doíam. Homens conversavam animadamente sob uma marquise. Ser outro. Ser falante e sociável. Deixar-se. Ser como o rio que corria.

"Ou nada", ele murmurou.

Ou nada. Ser como o rio que corria sem nunca pensar se era rio ou nada.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O enredo

Vou tentar não enlouquecer por uma coisa assim. É verdade, faz muito tempo que eu não transformo as coincidências em sinais de um plano divino que eu possa entender e ajudar a colocar em prática: eu as registro, apenas, como importantes variáveis em uma equação cujo resultado eu talvez nunca chegue a conhecer. E, no entanto, não consigo evitar que elas exerçam forte influência sobre algumas decisões de ordem prática. Hoje aconteceu isto, por exemplo, e eu ainda não sei quais serão os desdobramentos do caso, mas a julgar pelo histórico de eventos muito semelhantes envolvendo a mesma pessoa, acredito que eu vá decidir ficar sozinho e desligado do mundo pelas próximas semanas.

É assim que eu tenho estado por culpa de Isadora há oito ou nove meses, de modo que não é nada de extraordinário. Essa mulher me transformou em qualquer coisa como seu escravo: eu largo o que estiver fazendo quando ela me chama, eu faço qualquer coisa que ela peça enquanto, por sua vez, ela mantém a decisão de se casar com Antônio Carlos em outubro deste ano. Nem posso vê-la a qualquer momento – e de uns tempos para cá tenho tido que enfrentar longos períodos de espera, o que me entristece profundamente. É óbvio que Isadora está superando a sua indecisão pré-nupcial, e que eu estou perdendo. Mas estou cada vez mais obcecado por ela. Não sei, não posso, não quero viver com nenhuma outra pessoa. Já estou à beira do ridículo.

Então hoje à noite eu me cansei. Tinha acabado de tirar o telefone do gancho para ligar para ela, depois a imaginei nos braços de Antônio Carlos e não tive mais a menor vontade de discar seu número. Se a sua incapacidade de tomar uma decisão continuasse deixando tudo como estava, eu não ia ficar aqui esperando até que isso chegasse a um “sim” sorridente no altar de outro homem. E eu não ia mendigar umas migalhas do seu tempo. Nem ia me esconder em minha casa, passar outra noite sozinho e afogado em tristeza enquanto a cidade inteira estava na avenida principal vendo os ensaios das escolas de samba. Hoje à noite eu estava livre. Às vésperas do Carnaval, eu nunca mais ia sofrer por causa de Isadora.

Então lá estava eu em uma das arquibancadas. Sozinho, triste – mas na mesma rua que pelo menos outras mil e quinhentas mulheres. E do que mais eu precisava? Eu realmente me sentia livre, neste momento áureo da vida em que já não sou nenhum moleque nem encontrei ainda um único fio de cabelo branco. Olhei em volta, reparei naquele mar de gente e pensei: posso escolher quem eu quiser – o que, embora tivesse as suas complicações, era a mais pura verdade. Posso escolher quem eu quiser – eu quase disse em voz alta, como se descobrisse a pólvora; e depois de novo: posso esco...

Ok, agora alguém me diz quais são as chances de uma coisa assim acontecer. Que justamente aquele pensamento, que justamente aquela palavra se perdesse na visão do rosto de Isadora, sozinha em uma arquibancada do outro lado da avenida.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Para uma amiga de infância

Sala de estar na penumbra, móveis envelhecidos, uma poltrona em frente à TV ligada. Vê-se apenas um braço segurando o controle remoto e eventualmente trocando o canal; passam notícias de diversas épocas: a morte da Princesa Diana, a construção de Brasília, Paris em maio de 68, a queda do Muro de Berlim e a do World Trade Center, etc. No meio da sala, no centro de um tapete colorido e circular, um adolescente dorme enrolado como um gato. A luminosidade que atravessa as cortinas indica que lá fora é dia. De repente, sons de panela batendo chegam da cozinha; o braço com o controle remoto se imobiliza.

– ... essa bagunça toda, Pedro – diz uma voz de mulher. Sons de passos: salto alto sobre um chão de madeira. A TV exibe um programa muito alegre do Chacrinha. – ... que você seja tão egoísta a este ponto, Pedro; mas pra mim chega, eu não fico nesta casa nem mais um minuto. – Mudança de canal: trechos de um filme qualquer do Kurosawa. Nova mudança: um importante jogo do campeonato irlandês de futebol. O homem pousa o controle remoto sobre o braço da poltrona. – ... não vai ter sobrado um único motivo de alegria nessa tua vidinha estúpida!

Escuridão. Vazio.

Locução de rádio em uma voz monótona, grave e arrastada: "um bom momento para investir na extração de petróleo, na indústria alimentícia e nas corridas de cavalo. Em um ano, o seu dinhero será no mínimo triplicado; em dez anos, você será citado como um exemplo de empreendedorismo pelos maiores especialistas da revista Forbes; em quinhentos anos"...

Jardim ensolarado. Flores. Pessoas passeando.

Estou acomodado em um banco. Aos meus pés, enrolado como um gato, o adolescente dorme. Uma moça se aproxima com um saco de pipocas. Senta-se ao meu lado, come em silêncio. De repente, ri e aponta para três meninos que se enrolam com a cauda de uma pipa. Olha para mim, oferece a pipoca. Eu recuso. Obrigado.

– Se você soubesse a falta que você me fez – eu digo. Ela come em silêncio, observando a paisagem. – A falta que você me fez, eu digo. – Estou cansado disso. Estou virando um eco de mim mesmo. Nada se altera. – Sem você, existe alguma coisa neste mundo que possa me deixar seguro?

A moça desaparece. O sol desaparece; não há ninguém mais no jardim, exceto eu e o gato enrolado em minhas pernas. Sons de trovão. Chuva forte. Quero gritar que eu preciso de ajuda, que eu não sei o que fazer comigo, que eu vou enlouquecer que eu vou morrer que eu vou chorar no meio do supermercado, que eu estou me dissolvendo na paisagem, que nada disso tem importância alguma, que eu já nem sei por que eu ainda me lamento, que eu estou bem, que é só uma chuva e que já está passando, que a vida é bela, que a vida é doce, que...

Um universo branco. O rosto de um adolescente: olhos bem abertos, expressão de malícia. O adolescente abre a boca. De dentro dela, um pouco empoeirada, escapa uma pequena borboleta, meio às tontas, com asas coloridas.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Religare

O corpo de Martina era o meu santuário. Quase não fazíamos amor: rezávamos. Nos primeiros cinco meses, em um apartamento na Santo Agostinho, aprendemos um com o outro os nossos cânticos e preces; depois saímos ampliar a nossa fé pela cidade. Nos sebos, disfarçados em um canto, reescrevemos a Bíblia e o Corão; na Reitoria, nas salas que encontrávamos desertas, desvendamos os segredos da Cabala e outras tradições esotéricas; nas praças, à noite, aprofundamo-nos em várias mitologias de tradição oral; nas escolas – sim, algumas vezes conseguimos invadir algumas escolas, e gostávamos especialmente das salas forradas por quebra-cabeças de EVA – travamos contato novamente com os cultos primitivos; e por fim nos prédios, nos condomínios fechados, no Memorial da Cidade, nos shoppings, nos correios, na prefeitura, em todas as obras em construção, públicas ou privadas, fomos pagãos liberais, burgueses, felizes e completamente alienados.

(Às vezes, cansados de nossa santidade heterodoxa, buscávamos o interior silencioso de alguma igreja onde, aliviados, pecávamos.)