terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Religare

O corpo de Martina era o meu santuário. Quase não fazíamos amor: rezávamos. Nos primeiros cinco meses, em um apartamento na Santo Agostinho, aprendemos um com o outro os nossos cânticos e preces; depois saímos ampliar a nossa fé pela cidade. Nos sebos, disfarçados em um canto, reescrevemos a Bíblia e o Corão; na Reitoria, nas salas que encontrávamos desertas, desvendamos os segredos da Cabala e outras tradições esotéricas; nas praças, à noite, aprofundamo-nos em várias mitologias de tradição oral; nas escolas – sim, algumas vezes conseguimos invadir algumas escolas, e gostávamos especialmente das salas forradas por quebra-cabeças de EVA – travamos contato novamente com os cultos primitivos; e por fim nos prédios, nos condomínios fechados, no Memorial da Cidade, nos shoppings, nos correios, na prefeitura, em todas as obras em construção, públicas ou privadas, fomos pagãos liberais, burgueses, felizes e completamente alienados.

(Às vezes, cansados de nossa santidade heterodoxa, buscávamos o interior silencioso de alguma igreja onde, aliviados, pecávamos.)

2 comentários:

a disse...

Esse tem um toque especial... Gostei dele :D

Vizionario disse...

Belo começo, de texto e ano.

E bem construído.

PS: Se você parou de fumar, eu vou começar, porque acho que não chegaremos nem a 2012...