sexta-feira, 25 de março de 2011

Do not disturb

Já vivi meus dez anos a mil.
Já vivi meus mil anos a dez.
Agora eu quero andar só um pouco acima do limite
E aproveitar a paisagem.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Um pouco mais de caos antes de ir

Foi-se o tempo em que eu acreditava que em alguma fonte humana eu beberia água limpa.

E repeti por muito tempo, antes de abrir a porta, aquele envergonhado "não repare a bagunça" - mas bem que eu tentei, Deus sabe que eu tentei lavar os azulejos; agora qualquer coisa serve, qualquer vento serve se você não sabe pra onde vai mas já não quer ficar parado; não repare a bagunça, estou fazendo de propósito: depois que começaram a implicar com minhas frases de efeito anunciei bem alto na saída da faculdade:

- Encontrei um fio solto em um cantinho do Universo e decidi puxar, só pra ver se desfia o resto.

Bom, fiz uma lista de coisas que me entristecem; me lembrei de sonhos em que eu mergulhava na mais absoluta solidão; joguei tudo pro alto e arrisquei ser mais sincero; agora estou bem, mas fiquei um pouco chateado. Abro o caderno em um antigo conto: um cara terminando com a namorada em pleno sábado de carnaval, sentados à portaria de um prédio a algumas quadras da Avenida do Samba; ela um pouco bêbada e com os olhos cheios de lágrimas não percebe de imediato que a risada ecoando pela rua não veio do namorado, mas de um grupo de rapazes que está passando por ali; "o que é isto agora?", ela pergunta irritada; "é um exército romano", explica o namorado; a menina enxuga os olhos, avista os rapazes e percebe o resto de sua lucidez se esvaindo enquanto só lhe resta murmurar espantada: "não é que é mesmo?!"...

- Inteligência é transformar informação em conhecimento - disse o meu pai um dia desses.

- E sabedoria, pai, o que é?

Meu pai baixou os olhos, refletiu por um instante e concluiu:

- Sabedoria é quando, depois de transformar informação em conhecimento, a gente atravessa o rio.

Ah, Deus, não é que é mesmo?!... Não cabe toda a minha roupa na mochila, nem me agrada muito a perspectiva de encontrar um paraíso abarrotado de turistas, máquinas fotográficas e informações enciclopédicas, mas lá vou eu com o começo do outono, porque me assustei quando acordei e vi que estava ficando tarde. Contei meus planos pra um aluno amigo e no dia seguinte ele me disse: "fiquei triste, não consegui dormir direito; por que você vai embora?" - mas o meu coração guardava o mais devastador e delicado silêncio.

"Não era a ponta solta do Universo", eu deveria ter dito. "Era uma tapeçaria perfeita falsificando um limite".

Desculpem, amigos. Mas eu já estava do outro lado.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Um pouco mais que só palavras

O homem que te escreve agora, garota, não procura abrigo nem reclama mais da sede ou do cansaço de uma longa caminhada pelo inferno; as cicatrizes invisíveis, aquelas que eu cantava com revolta ou desespero, já não guardam a dor do instante em que surgiram mais do que alimentam meu orgulho por haver sobrevivido a elas; o homem que te escreve agora, garota, é um voluntário para a prisão do teu amor porque dispõe livremente do próprio caminho, e está aqui fora com a mesma paixão pelas coisas com que estaria em teus braços - não te peço um rumo, o esquecimento ou uma razão para a jornada que afinal já sei obedecer e desejar: estou aqui, garota, porque de todas as coisas que já vi e provei no mundo nada me pareceu mais belo que esse teu olhar, que é como uma lembrança de Deus; estou aqui porque encontrei o que eu estive procurando desde o início, e porque reconheço enfim que valeu a pena cada eternidade de angústia e de desesperança - porque eu não estava errado, porque você existe, e saber disso basta. Não me entenda mal: você não é menos livre do que eu para fechar a porta ou dizer que nada disso te interessa agora, que eu volte mais tarde ou nunca mais diga o teu nome em voz alta - eu não espero que você abra mão da própria liberdade; já é parte do que eu sou cada momento que passamos juntos, a memória ainda quente das tardes de sol em que nos pertencemos quase sem notar, os gestos e palavras de afeto que reacenderam no meu coração envelhecido a luz incontrolável daqueles que acabaram de nascer. Eu te amo, e nada disso faz pedidos: é só a verdade que eu te entrego agora; mas mesmo entregue ela continua sendo minha, e permanece a mesma. O homem que te escreve agora, garota, te escreve porque viu se renovarem suas asas e percebe que é o momento da pergunta: vem comigo? Eu quero. Ou eu te levo na alma.