sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Represa

Num universo paralelo, mas aqui, às margens do nosso, ficaram palavras não ditas e o brilho dos olhos, ficou um sorriso sincero, ficou a ternura que se gastou na luta. Num universo paralelo, aqui dentro, há todo esse mar contido pela solidez das horas, por um salário mais alto, por uma ideia oca de maturidade. Em outra dimensão, sem conseguir atravessar a fortaleza fria da realidade, arde um desejo caloroso e limpo de criar, de ver crescer e de crescer em segurança, iluminado, vivo; e soterrado, assim, pelos entulhos de uma sobriedade estéril, adormeceu o sonho de permanecer sonhando - mas no vazio dos cofres, nas fendas do asfalto, nos intervalos entre as senhas dos balcões de atendimento escapa às vezes o seu hálito de sonho, o líquido invisível que enverniza a matéria; e sem que o saibamos, e sem que a matemática permita, é esse universo oculto de esperanças ingênuas que nos move, que nos alimenta, e que nos lança cada vez mais perto de uma coisa que buscamos sem sequer nos recordar: alguma coisa como um lar perdido, como uma paz impossível, como o alívio quase imerecido de ser afinal perdoado.

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