domingo, 22 de novembro de 2009

A dor que deveras sente

Como se não fosse sempre sobre uma realidade pessoal, eu escrevia um conto utilizando a estrutura descrita pelo professor e baseado nas ideias de Baudrillard, com delicadas doses de naturalismo e citações de Catulo. Como se não fosse sempre para a menina sentada à minha frente; mas eu gostava mesmo de ouvir aquelas teorias sobre o foco narrativo, e parecia-me que faltavam apenas algumas aulas até que eu me tornasse um novo Proust ou Dostoiévski. O professor interrompeu a explicação para perguntar se alguém sentia cheiro de queimado. Mas não lhe dei atenção, porque eu estava distraído com as pontas verdes do cabelo de Yanna Karolina, sentada ao meu lado e, por sua vez, perdida na lembrança de uma tarde de verão em Londres no ano de mil novecentos e oitenta e sete. Acho que a Universidade pegou fogo. E eu não consegui terminar o meu conto – o que afinal foi o menor dos males. Eu lamentava muito mais o fato de que, dois andares abaixo, outro escritor acima da média estaria se sentindo um Saramago injustiçado enquanto suas obras completas e inéditas ardiam no fogo eterno das universidades federais.

Aí resolvi escrever esta historinha, só porque já estávamos mortos, mesmo, e eu queria dizer a ele que no fundo eu continuava achando tudo muito divertido. Ou só morreram os "eus-líricos" naquele incêndio? Ou a poesia não mereceria nunca revelar na prática a sua alma de combustão espontânea?

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