terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Carta a um aprendiz

Caro amigo;

Sinceramente reconheço as dificuldades que você diz enfrentar, e peço desculpas por não ter previsto que elas poderiam surgir. E de fato, como você me expôs em sua carta, a invocação da chuva para alívio das sensações desagradáveis do espírito raramente funciona em ambientes urbanos, onde a concentração de mana é um pouco menor ou, como preferem alguns, menos pura. Não se deixe ver, meu caro, repetindo os nossos gestos de invocação em praça pública ou em filas de supermercado: dificilmente eles produziriam efeito, e as pessoas à sua volta não ajudariam muito em vê-lo como um dançarino excêntrico exibindo sua arte onde bem entende. Sugiro que você realize esta magia bem mais simples, que eu já deveria ter-lhe ensinado, e que apesar de levar mais tempo exige consideravelmente menos mana:

Sente-se no chão. Prefira os pisos de azulejo, cimento cru ou qualquer coisa assim que remotamente lembre as nossas plataformas de pedra. Feche os olhos e se conecte às sensações desagradáveis. Concentre-se bem. Perceba que elas são moldáveis, como quaisquer energias, e lentamente comece a reuni-las – use as mãos, não se limite ao pensamento – em uma esfera compacta do tamanho de uma bola de tênis. Deixe essa esfera flutuando à sua frente, na altura do rosto, e observe-a bem com os olhos da mente. Muito cuidado nessa fase: as sensações desagradáveis são esquivas, e tentarão a todo custo retornar ao seu espírito. Afaste-as repetidas vezes com a mão direita, mantendo-as na esfera compacta, e diga em voz alta quantas vezes julgar necessário: Já estamos desligados. Somente quando estiver certo de que as sensações permanecerão na esfera, levante as duas mãos em sinal de paz e comunique: Vou lhes dar forma. Pergunte qual a forma que elas gostariam de ganhar e mãos à obra.

A esta altura, seu próprio mana já estará fluindo em quantidade suficiente para qualquer materialização simples, o que invariavelmente será o caso. O mais comum é que as sensações escolham uma forma artística – florzinhas de biscuit, estátuas de jade, blogues de poemas – e acredito honestamente que você não terá a menor dificuldade em atender-lhes o pedido.

E não se espante, meu amigo, se acaso elas optarem pela forma básica da lágrima. Lembre-se sempre de que as sensações desagradáveis não são mais que uma desordem temporária no mana, que sem descanso lutará para voltar à sua forma pura.

Com votos de melhoras,
receba o meu sincero abraço.

Um comentário:

Carol Brunoni disse...

Good, very good...
É sempre bom ler o que se precisa. A propósito, fiquei curiosa, o que fazias por essas bandas?
Sempre que passar por aqui pare e entre, as cachorras são sociáveis e há ervas no jardim para fazer um bom chá, não espere ser convidado, venha quando quiser. ;)