sábado, 23 de maio de 2009

O Ator

Tinham combinado que jantariam juntos depois da apresentação, em comemoração ao fim da temporada. Francisco relutou a princípio, alegando que estava ansioso para dar início às suas férias-fora-de-época, mas o restante do elenco tratou de convencê-lo – a peça havia sido um sucesso de público e de crítica; o teatro estaria lotado naquela noite e um caso assim era tão raro para eles que seria uma heresia não comemorar. Francisco sorriu, entregando os pontos. Ser o único solteiro em toda a equipe era um motivo mínimo, infantil até, para não estar entre amigos em uma ocasião realmente importante como aquela. E talvez – pensou – se Ana Clara fosse assistir à peça ele pudesse convidá-la; quem sabe, e assim a noite estaria completa. Não voltaria a pensar no assunto. Era preciso concentrar-se em seu trabalho.

O teatro estava mesmo lotado. Mil e duzentas pessoas mergulhadas no mar negro para além da ribalta, reagindo ao menor dos gestos realizados em cena. Francisco desempenhou o seu papel com uma devoção religiosa, convencido a abandonar qualquer emoção ou pensamento que não pertencesse ao personagem. E naquela noite todos os atores contribuíam muito, embriagados que estavam pela paixão por seu trabalho, decididos a se despedir do público em grande estilo. Foi a melhor apresentação que já fizeram. Quando o mar negro se acendeu, as mil e duzentas pessoas se levantaram de uma só vez para um aplauso estrondoso. Era a consagração do artista; o melhor pagamento que eles poderiam ter.

Vertigem. Francisco não podia imaginar contradição maior: nunca em sua vida se sentiu mais só. Corria os olhos por aquelas gentes, à procura desesperada de Ana Clara, sem reconhecer um único rosto. E de repente não ouvia mais. Encontrar Ana Clara era só o que importava – não via nenhum sentido na palavra “sucesso”, não fazia questão de receber um único aplauso pelo que era apenas seu trabalho. Um trabalho como outro qualquer: como fabricar relógios, como carimbar as cartas no correio.

Somente quando as luzes do palco se apagaram e a cortina começou a ser fechada foi que ele avistou Ana Clara, na oitava fila perto da parede. Ela estava acompanhada por um grupo de amigos, e obviamente se preparava para deixar o teatro. Ela não iria vê-lo, no camarim. Não falaria com ele. Num impulso, Francisco se lançou ao corredor, pensando que seria fácil alcançá-la antes que ela chegasse à porta. Mas foi uma odisséia. A cada passo, alguém o detinha para lhe dar os parabéns pelo “excelente”, “impressionante”, “maravilhoso espetáculo”. Francisco se demorava o mínimo possível: devia soar arrogante e ingrato, mas não havia tempo nem motivos para se preocupar com sua imagem. Ana Clara estava quase saindo. Estava na porta quando ele, espremido entre um casal de velhos, conseguiu estender o braço e tocar em sua mão. Ela se virou, encontrou seus olhos. Sorriu.

Ele era um adolescente bobo e apaixonado. Tudo em volta desapareceu, e só o que havia no mundo era o sorriso iluminado de Ana Clara. Ele sorriu também, como um menino tímido. “Vamos sair para jantar”, disse, imaginando que o convite estaria implícito. Não conseguia pensar em nada melhor para dizer. Estava ocupado demais em se sentir fora do tempo.

– Onde? – ela perguntou.

Um outro rosto surgiu em seu lugar. Um completo estranho, com um brilho emocionado nos olhos, agitava a mão de Francisco e repetia que nunca em sua vida, nunca em sua vida ele tinha visto uma peça tão bonita. Francisco demorou demais para desfazer o sorriso. O mar de gente, os amigos de Ana Clara terminaram de arrastá-la para fora do teatro.

2 comentários:

Carol Brunoni disse...

Quebro minha promessa (faz parte do meu show)
Acho que aprendi e acredito profundamente que nada faz sentido se não pudermos compartilhar com quem a gente ama.
E entendo a frase que vc me disse: "Encontrar a alama gêmea nos ajuda a encontrar nossa própria alma."
Obrigada e beijo.

Roger Dörl disse...

eita. bonita noite chuvosa de domingo.
beijo grande.