quinta-feira, 2 de julho de 2009

Entre lírios

Não gosto mais do que você dessa distância entre nós dois, Luana. Tenho certeza de que não foi isso que eu disse na outra carta. Os dias são serenos, sim, depois de tanto tempo longe; consigo amar de novo, rir de coisas bobas, chorar com um filme na TV. E ontem fiz um novo amigo. Um menino de uns dez anos que mora na casa ao lado. Ele me ajudou a carregar umas caixas para cima, depois ficou comigo conversando um pouco: ele gosta de batata frita, de chocolate branco e de Harry Potter; disse que passa muito tempo sozinho em casa, que quase não há meninos na vizinhança e que por isso ele vai voltar um dia desses com um jogo qualquer de tabuleiro. Gostaria que você estivesse aqui, Luana. Penso nisso todos os dias. A toda hora. Em cada letra. Na segunda-feira fui sozinho até o desfiladeiro, deviam ser umas duas da madrugada. Fiquei deitado vendo estrelas. Foi bonito. Fazia muito tempo que eu não via o céu assim tão limpo. Então eu acho que peguei no sono; sonhei com chuvas de verão, um grupo de alunos muito concentrados e o galope distante de um cavalo branco. Sei que uma hora falei “eu te amo” – você me ouvia?... O meu trabalho continua o mesmo. As mesmas caras, a má vontade de sempre, e papéis, e tinta, e nada. Mas quase já tenho dinheiro para comprar o meu piano. E sim, faço poemas. Não sei, Luana, por que foi preciso que você quase me odiasse. Que eu viesse embora; que não fosse mais do que memória a vida iluminada e sólida que tivemos no vale de Campomanso, entre lírios, repetindo aquelas promessas para tanto tempo. Mas vou voltar, um dia. Não faz sentido que eu não volte. E eu sei – por mais que você insista em me dizer que a vida segue em frente, que é até bom que eu possa te esquecer aos poucos, que não somos um do outro, que não foi nada mais que um sonho muito breve – eu sei, de toda a minha alma eu sei, ficaremos bem, e ficaremos juntos. Porque eu te amo desde sempre. Porque o teu nome tem gosto de pêssego. E porque mesmo aqui, tão longe, eu sinto a tua presença real e de repente uma certeza antiga de que nada mais me falta.

2 comentários:

Anônimo disse...

irritantemente lindo.

Namorada disse...

TAMBÉM AMEI!
Porém, ao mesmo tempo, me entristece!