sábado, 28 de março de 2009

Sentido

Na contramão do outono, vou recolhendo a poesia delicada de nascer. Para muito além do antigo vício de ver sombras, na intimidade do meu lar, onde não há ninguém, minha alma redesenha a si mesma como flor alguns segundos antes de se abrir. Lá fora não há mais culpados: todas as primeiras pedras foram lançadas à exaustão – até restarem estas mãos vazias e cansadas, mãos sem afago, mãos envelhecendo a cada dia. E um espaço deserto que só o espírito preenche, no exercício de gerar ou enxergar o que se possa chamar de Beleza. Na incidência da luz, na palavra terna, o que se encontra não será jamais algum conforto externo, que afinal não há, sendo outono, mas a música possível de um coração que ainda sente, embalando com cuidado a sua própria pulsação desordenada. O homem sensível, o homem chorando lágrimas reais não era enfim aquele que perdia, mas o que reconstrói, pai de si mesmo, irmão e filho, o abrigo sólido de uma esperança finalmente mais madura. Virá a primavera, então. E o seu nome deixará de ser colher as flores, e passará a ser somente cultivá-las, a partir de si, para quem sabe um dia compreender as que nasceram, se nasceram, naqueles outros tantos corações desordenados. Não mais do que esse pouco. Não mais do que esse sonho, agora tão distante, mas tão possível que a maior ingenuidade é ainda pensar que seja um sonho.

2 comentários:

Espelho disse...

Obrigado pelas boas vindas, achei importante começar a publicar um pouco de mim, talvez tenha cansado de escrever textos em cadernos que jamais serão abertos, assim divido com as outras pessoas, é muito bom!
Abraço

Ju disse...

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