sábado, 31 de janeiro de 2009

Bianca

Eu teria levado flores, mas na verdade não sei bem por que. Já eram oito da manhã quando eu desisti de dormir e saí de casa na esperança de te ver. Primeiro ia comprar as flores – mas não sei, achei melhor comer alguma coisa antes. Ultimamente, tudo o que eu como tem um gosto amargo, parece limonada de ontem. Levei um tempo pra aceitar que era só isso que eu teria do meu pão com queijo. Pensava em tudo que eu queria te dizer – não bastaria levar flores? Dispensaria ao menos o cartão, diria pessoalmente: isso é só porque você telefonou no meu aniversário. Você acharia muita graça. São só umas flores do campo – eu tentaria despistar. Mas você entenderia.

Então no caminho eu me lembrei de que você tirou a semana de folga no trabalho. E isso complicava um pouco as coisas. Primeiro porque ainda não sei onde você mora, e segundo porque não podia correr o risco de dar de cara com o seu marido. Ele não entenderia. Mesmo que eu tivesse essa desculpa de entregar papéis sem importância, na sorte que eu tive do meu trabalho se cruzar com o seu em algum ponto, as flores ficariam deslocadas. Pesadas, maiores que a largura da porta. Fiquei um tempo rodando pela cidade sem saber pra onde ir ou o que fazer. Quem sabe uma flor qualquer roubada em um quintal? O certo era que eu iria até sua casa. E pra isso bastaria uma visita rápida a uma amiga em comum.

Tomei o caminho mais longo. Ainda não sabia a razão, mas era o próprio tempo quem estava me atrasando. Quando cheguei à porta do apartamento da Raquel, você estava ali, parada, com a mão apoiada ao lado do botão da campainha. Como foi bonito o seu sorriso por me ver chegar. Bem mais que as flores que eu não tinha. E talvez fosse melhor assim, porque só agora eu tinha uma ideia um pouco mais clara do que estava sentindo. A Raquel não estava? Tudo bem, eu disse – confessei que estava ali justamente porque queria o seu endereço, e recorri à desculpa dos papéis urgentes e desimportantes. Falamos naturalmente. Disse que precisava dos papéis preenchidos até o final da semana; você disse que estaria meio ocupada, revisando discursos do seu marido, mas que faria o possível pra me devolver antes da sexta.

Acho engraçado você levar a tal extremo a sua vidinha de esposa interiorana. Mas não disse nada – acho até que faz parte do seu encanto. Agradeci pela ligação no dia do meu aniversário, e só achei triste que nem passou pela sua cabeça que isso quase me fez te levar flores. Despedimo-nos sem mais o que dizer. Beijos no rosto, até depois, espero que você mande notícias. Entrei no carro me sentindo leve, alegre mesmo, saboreando a minha lucidez tranquila e inesperada.

Não sei por que perdi meu tempo querendo te falar em um espelho e por enigmas. Acho que são os outro que não têm a menor ideia de tudo que o amor permite. Porque não há nada de mais aqui, e pra mim estão bem claras as fronteiras do desejo. No fim, é só que eu tenho andado muito sozinha, e poucas coisas neste mundo são mais fáceis de se amar que o seu sorriso, minha querida Luiza. Esse seu claro sorriso gratuito. Como se estivesse cheio de motivos.

2 comentários:

Carol Brunoni disse...

Encantador...
Sinto como se fosse fragmento de um livro, mas com certeza é fragmento de uma vida, não é!?
Beijo, Menino Azul.;)

Roger Dörl disse...

sim, de uma vida.
:)
beijos.